“Pra aceitarmos a questão do Édipo, nós temos que aceitar a premissa fundamental que é a premissa do conflito do homem com a civilização. Se nós não aceitarmos essa premissa, nós não vamos falar em Édipo. O que Freud entende por conflito entre homem e a civilização? Quer dizer que entre o homem e a civilização não existe acordo possível. Porque tem sempre alguma coisa com ruído que rompe qualquer possibilidade de harmonia. Então existe sempre alguma coisa que lembra desse distanciamento e que nos leva a retomar a conversa. Se não fosse assim a gente fazia amor uma vez só na vida. Mas assim que a gente termina de fazer amor e diz eu te amo, a outra pessoa pergunta “mas ama mesmo?”. Quer dizer, a base freudiana diz que entre a pessoa e o mundo necessariamente existe uma distância. O homem não é co-natural, nem se comer o sanduíche natural da praia de Ipanema. O maior poeta brasileiro, tido como o maior poeta brasileiro, diz que não funcionam as tentativas que o homem pode fazer de ficar mais perto do mundo. Que o máximo que a gente consegue fazer ao tentar ser igualzinho ao mundo, por não suportar a distância em relação ao mundo, é fazer uma rima, mas jamais uma solução. Ou seja, se ele, Carlos Drummond de Andrade, resolvesse se chamar Raimundo, porque assim ficaria mais próximo do mundo, ele ainda assim teria uma rima, mas não uma solução. E o poeta diz do porquê disso, ao falar ‘porque é mais vasto o meu coração’. Porque tem algo na singularidade de cada um que está eternamente em conflito com qualquer resposta que o mundo possa dar. Nesse sentido, a psicanálise está muito longe de ser uma relação de harmonia. A psicanálise é a administração de conflito, igual à dívida brasileira, que não se paga, se administra”. Com o psicanalista Jorge Forbes.