Entrevistas

Noam Chomsky X Michel Foucault (legendado PT BR)

Noam Chomsky X Michel Foucault (legendado PT BR)

Chomsky:
Acredita que para alcançarmos uma sociedade mais igualitária e justa deverá ter um sistema anarcosindicalista, federativo, descentralizado, de associações livres onde os seres humanos não tenham que ser forçados a colocarem-se na posição de ferramentas, de engrenagens na máquina…

Foucault:
Acredita que o poder está localizado nas mãos do governo que o perpetua exercendo e administrando suas várias aparelhagens, como por exemplo a polícia e o exército. Um aparato criado para nos manter na linha e nos punir. Ele também acredita que o sistema de ensino (escolas/faculdades) são feitos para manter no poder uma determinada classe social e excluir dos instrumentos de poder outra classe social que não seja a dominante. Fala também sobre o que considera a mentira da psiquiatria, tudo isso dividindo os seres humanos em classe opressora e classe oprimida…

Noam Chomsky
http://www.anarquista.net/noam-chomsky/

Michel Foucault
http://www.anarquista.net/michel-fouc…

NOAM CHOMSKY E MICHEL FOUCAULT: “NATUREZA HUMANA: JUSTIÇA VERSUS PODER”

Tradução: Paulo Luiz Durigan

Em novembro de 1971 Michel Foucault se encontrou com Noam Chomsky em um programa da TV holandesa e ali debateram por cerca de uma hora o tema “Natureza Humana: Justiça Versus Poder”. A transcrição do debate estava a algum tempo atrás disponível, em inglês, no site da Universidade de Chicago: http://www.uchicago.edu/research/jnl-crit-inq/foucault/foucault.chomsky.html.

Reparei, entretanto, que já não está mais lá e, também, não mais localizei nada a respeito na instituição citada.

Encontrei, todavia, uma tradução espanhola em http://www.intramed.net/UserFiles/Chomsky-2parte.pdf (mas apenas da 2a. parte, incompleta) como também o vídeo do encontro em http://www.youtube.com/v/hbUYsQR3Mes .

Não sei de tradução brasileira, de forma que insiro a minha aqui, mas somente da parte que julguei mais interessante (como diria o próprio Foucault, eis aqui, então, um desses desprezíveis cortes).


FONS ELDERS (moderador): Bem, talvez fosse interessante nos aprofundarmos no problema de estratégia. Suponho que aquilo que você chama de “desobediência civil” é provavelmente o mesmo que nós chamamos de “ação extra-parlamentar”?

CHOMSKY: Não, eu acho que vai além disso. Ação extra-parlamentar incluiria, vamos dizer, uma demonstração legal de massas, mas desobediência civil é mais objetiva que toda ação extra-parlamentar, naquilo que isso significa desafio do que é alegado, incorretamente no meu ponto de vista, pelo estado ao fazer as leis.

ELDERS: Então, por exemplo, no caso da Holanda, nós tivemos algo como um censo populacional. As pessoas foram obrigadas a responder perguntas em formulários oficiais. Você poderia chamar isso de desobediência civil, se alguém se recusasse a preencher os formulários?

CHOMSKY: Correto. Eu deveria ser um pouco mais cuidadoso sobre isso, porque, voltando para um ponto muito importante formulado por Foucault, as pessoas não necessariamente autorizam o estado a definir o que é legal. Agora, o estado tem o poder de forçar uma certa concepção do que é legal, mas poder não implica em justiça ou ainda em correção; então o estado pode definir alguma coisa como desobediência civil e pode estar errado ao fazer isso.

Por exemplo, nos Estados Unidos o estado declara como desobediência civil, vamos dizer, descarrilar um trem de munição que está indo ao Vietnã; e o estado está errando em definir isso como desobediência civil, porque é legal e correto e deveria acabar. É correto tomar medidas que irão evitar atos criminosos do estado, da mesma forma como é correto violar uma lei de trânsito para prevenir um homicídio.

Se eu parei meu carro diante um semáforo que estava vermelho, e então passei por este sinal para evitar que alguém, vamos dizer, atropele um grupo de pessoas, é claro que isso não é um ato ilegal, isto é uma ação apropriada e correta; nenhum juiz são convenceria você de erro na medida.

Da mesma forma, uma boa porção daquilo que as autoridades estatais definem como desobediência civil não é realmente desobediência civil: de fato, são situações legais, comportamento obrigatório de violação dos comandos do estado, que podem ser ou não ser comandos legais.

As pessoas tem que ter bastante cuidado sobre os chamados atos ilegais, eu acho.

FOUCAULT: Sim, mas eu gostaria de lhe fazer uma pergunta. Quando, nos Estados Unidos, você comete um ato ilegal, você o justifica em termos de justiça ou de uma legalidade superior, ou você justifica isso pela necessidade de luta de classes, a qual, é no presente momento essencial para o proletariado em sua luta contra a classe governante?

CHOMSKY: Bem, aqui eu gostaria de colocar o ponto de vista que é dado pela Suprema Corte Americana e provavelmente outras cortes em tais circunstâncias; que é tentar situar o acontecimento nos limites mais específicos possíveis. Eu achava que ultimamente faria muito bom senso, em muitos casos, acionar as instituições legais de uma dada sociedade, se dessa forma você estivesse golpeando as origens do poder e opressão naquela sociedade.

Entretanto, há grande número de leis representando certos valores humanos, os quais são valores humanos decentes; e tais leis, corretamente interpretadas, permitem que você possa desobedecer os comandos estatais. E eu penso que é importante explorar esse fato …

FOUCAULT: Sim.
CHOMSKY: … é importante explorar as áreas do direito as quais são formuladas corretamente e então talvez acionar aquelas áreas legais as quais simplesmente ratificam algum sistema de poder.
FOUCALT: Mas, mas, eu, eu…
CHOMSKY: Deixe-me dizer …
FOUCAULT: Minha pergunta, minha pergunta foi esta: quando você comete um ato claramente ilegal …
CHOMSKY: …. o qual eu considero como ilegal, não apenas o estado.
FOUCAULT: Não, não, bem, do estado …
CHOMSKY: … que o estado entende como ilegal …
FOUCAULT: … que o estado considere como ilegal.
CHOMSKY: Sim.

FOUCAULT: Você está cometendo o ato em virtude de uma justiça ideal, ou porque a luta de classes torna isso útil e necessário? Você se refere a uma justiça ideal, este é o meu problema.

CHOMSKY: Novamente, em muitas ocasiões quando eu faço algo que o estado chama de ilegal, considero que isso seja legal: isto é, eu considero o estado criminoso. Mas em algumas instâncias isso não é verdadeiro. Deixe-me ser bastante concreto e ir da área da guerra de classes para a guerra imperialista, onde a situação é algo mais clara. Pegue o direito internacional, um instrumento muito fraco, como sabemos, não obstante incorpore interessantes princípios. Bem, a lei internacional é, em muitos aspectos, um instrumento dos poderosos: isto é, uma criação de estados e seus representantes. No desenvolvimento do atual corpo de leis internacionais não houve participação dos movimentos de massa camponeses. A estrutura das leis internacionais reflete este fato, quer dizer, de o direito internacional permitir um alcance muito grande de intervenção na preservação das atuais estruturas de poder que definem elas mesmas como estados contra os interesses das massas que esperam ser organizadas em oposição aos estados. Agora, esse é o fundamental defeito do direito internacional, e eu acho, que estaria a justificar a oposição a aspectos do direito internacional como não tendo validade, tanto quanto os direitos divinos dos reis. São simplesmente um instrumento de poderosos para reter seu poder.

Mas, de fato, o direito internacional não se reduz a essa modalidade. E evidentemente existem interessantes elementos de direito internacional, por exemplo, incluídos nos princípios de Nuremberg e da Organização das Nações Unidas, os quais permitem, de fato, eu acredito, autorizar o cidadão a acionar seu próprio estado, em formato que este mesmo chamaria de criminoso. Não obstante, o cidadão está agindo legalmente, porque as leis internacionais também tratam de proibir a ameaça ou uso de força nos negócios internacionais, exceto em algumas circunstâncias muito específicas, das quais, por exemplo, a guerra no Vietnã não é uma. Isto significa que no caso particular da guerra do Vietnã, que em boa parte me interessa, o estado americano está agindo de forma criminosa. E as pessoas têm direito de parar criminosos que estão cometendo assassinatos. Apenas porque o criminoso pretende chamar sua ação de ilegal quando você tentar para-lo, isto não significa que sua ação assim seja. Um caso perfeitamente claro está no dos Documentos do Pentágono, o quais, eu suponho, você está a par.

Reduzido para o essencial e esquecidos os legalismos, o que está acontecendo é que o estado está processando pessoas por expor seus crimes. É o que está acontecendo. Agora, obviamente que é um absurdo, e alguém precisa prestar atenção para o que distorce um processo judicial razoável. Além do mais, acho que o atual sistema de leis ainda serve para explicar porque isso é absurdo. Mas se não servir, nós teríamos que nos opor a esse sistema de leis.

FOUCAULT: Então esse é o nome de uma justiça pura da qual você critica o funcionamento? Há uma importante questão para nós aqui. É verdade que em todas as lutas sociais existe o problema da “justiça”. Para colocar isso mais precisamente, a luta contra a justiça de classes, contra sua injustiça, é sempre parte de uma luta social: demitir os juízes, mudar os tribunais, anistiar os condenados, abrir as prisões, tem sido sempre parte das transformações sociais tanto quanto elas podem se tornar ligeiramente violentas. No presente momento, na França, as funções da justiça e da polícia estão direcionadas para atacar aqueles que nós chamamos de “gauchistas”. Mas, se a justiça é estática nessa luta, então serve como um instrumento de poder, e isto nos tira as esperanças que um dia isso acabe, nessa ou em outra sociedade, e que pessoas venham ser premiadas de acordo com seus méritos, ou punidas de acordo com suas faltas. Em lugar de pensar na luta social em termos de justiça, as pessoas têm é que enfatizar a justiça em termos de luta social (g.tr.).



Noam Chomsky, professor de linguística e filosofia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Seus livros incluem Poder e Perspectivas: Reflexões sobre a natureza humana e a ordem social (1996), Ilusões necessárias: através do controle das sociedades democráticas (1991), e Teoria da estrutura lógica da linguagem (1955-56).
Michel Foucault (1926-1984) foi professor do Collège de France, filósofo, historiador, inúmeras obras traduzidas para o português, entre as quais: A história da loucura, As palavras e as Coisas, Vigiar e Punir, A História da Clínica.


Para citação:

DURIGAN, P.L. Natureza humana: justiça x poder – Noam Chomsky e Michel Foucault. Disponível em <http://www.paulo.durigan.com.br/node/27>. Acesso em _____.

Visões da justiça

Diante de um contexto ideológico polarizado e de críticas exacerbadas por todos os lados, quais os grandes temas que atravessam o debate político contemporâneo? Nesta série, três filósofos – Fernando Schüller, Andrea Faggion e Luiz Felipe Pondé, revisitam grandes pensadores políticos e ampliam a reflexão sobre os conceitos de justiça, igualdade, liberdade e Estado.

Um documentário de Pedro Caldas.

 

mapa da literatura

O português é a quarta língua mais falada do mundo. São 9 países que têm como língua oficial ou uma delas o português. A produção literária espalhada por esses países produziu grandes clássicos que transcenderam a barreira da língua. Neste documentário, vemos como um angolano que cresceu em Portugal, um moçambicano, uma carioca e um paulistano são influenciados por suas cidades para criar suas obras. Mapa da Literatura cria uma narrativa da geografia desses lugares através da produção em língua portuguesa.

Um filme Liquid Media Lab.

visões da justiça (legendas em português)

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Um documentário de Pedro Caldas.

Pílulas e palavras

O que podem a psiquiatria, a psicanálise e as psicoterapias, com suas pílulas e palavras, fazer por quem vive se debatendo com os sintomas da modernidade? E o quanto responsabilizam-se por suas tecnologias químicas e verbais, e por seus efeitos psíquicos e sociais, os psiquiatras, os psicanalistas e os psicoterapeutas atuais? E aqueles que se colocam na posição de paciente, delegam aos clínicos a responsabilidade pela “cura” de seus sintomas ou assumem a responsabilidade por sua infelicidade cotidiana? E será que existe mesmo um “sofrimento novo” ou trata-se apenas da velha e conhecida angústia humana repaginada pelas palavras criativas dos nossos intelectuais? Embora se possa mesmo fazer este questionamento, parece inegável que há uma “vivência contemporânea” das velhas angústias humanas, e mais inegável ainda é a existências de “remédios contemporâneos” para estas vivências.

Um documentário de Pedro Caldas.

Pílulas e palavras (legendas em inglês)

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Um documentário de Pedro Caldas.

Pílulas e palavras (legendas em português)

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Visões da Justiça (legendas em inglês)

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finitude e infinitude (legendas em português)

“Falar do envelhecimento, da finitude e da nossa vulnerabilidade é falar da construção da felicidade humana”, afirma Ligia Py. Segundo ela, quando nos deparamos com esses temas reais, concretos, temos a oportunidade de criar um convívio entre nós muito mais proveitoso. De usufruir de felicidade de verdade. E de usufruir de solidariedade humana. “Pensar na morte é pensar numa vida mais rica. É pensar que não quero deixar uma marca de mediocridade, mas de riqueza de sentimentos para contribuir para as gerações futuras. Nesse mundo que acena com esse vazio de prazeres imediatos, de gozos com fim nele mesmo, nós respondemos com uma proposta: queremos pensar que somos precários. Que nós adoecemos. Que ficamos dependentes do outro. Que vamos morrer. Que é preciso deixar um mundo melhor aos que ficam.”

Um filme de Pedro Caldas.

finitude e infinitude (legendas em inglês)

“Falar do envelhecimento, da finitude e da nossa vulnerabilidade é falar da construção da felicidade humana”, afirma Ligia Py. Segundo ela, quando nos deparamos com esses temas reais, concretos, temos a oportunidade de criar um convívio entre nós muito mais proveitoso. De usufruir de felicidade de verdade. E de usufruir de solidariedade humana. “Pensar na morte é pensar numa vida mais rica. É pensar que não quero deixar uma marca de mediocridade, mas de riqueza de sentimentos para contribuir para as gerações futuras. Nesse mundo que acena com esse vazio de prazeres imediatos, de gozos com fim nele mesmo, nós respondemos com uma proposta: queremos pensar que somos precários. Que nós adoecemos. Que ficamos dependentes do outro. Que vamos morrer. Que é preciso deixar um mundo melhor aos que ficam.”

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